O músculo transverso abdominal (TA) desempenha um papel muito
importante na função e reabilitação dos músculos do assoalho pélvico
(MAP), mas a maioria das explicações para o controle da continência não
menciona outros exercícios além dos exercícios de Kegel. Porquê? Teriam
os meios de comunicação ultra simplificado o método de reforço dos MAP,
deixando aqueles que seguem a sua orientação destinados ao fracasso?
Acredito que sim.
Kegel foi, sem dúvida alguma, um
pioneiro nessa área, mas desde a década de 40 houve descobertas, avanços
científicos de grande repercussão para nós. Entre elas a
interdependência de todas as estruturas corporais e que a postura jamais
pode ser relevada a segundo plano nos exercícios terapêuticos.
Hoje vamos dar uma olhada neste músculo postural e do papel
que desempenha na estabilidade do Core e na força dos músculos do assoalho pélvico (MAP).
Primeiro, vamos obter um
bom visual da nossa anatomia. As fibras musculares do TA, ou abdominais
inferiores, cercam nosso abdômen e região pélvica, se inserindo em torno
da fáscia toracolombar na nossa região lombar. O nosso músculo TA
circunda a área estreita de nossa cintura para baixo e para dentro de
nossa entrada da pelve (a área delimitada na parte de trás do nosso
sacro e nas laterais por nossos dois ossos ilíacos). As fibras
transversais do nosso abdominais inferiores correm ao redor da cintura
por dentro da nossa pelve, como um colete ou cinta que podemos "apertar"
no nível do nosso umbigo. Este espartilho formado pelas fibras
transversais do músculo TA estreita como um cone terminando no nível do
nosso osso púbico. Quando o nosso TA contrai esse cone ele aperta como
um "compressor", deslocando ar e pressão para cima e proporciona maior
estabilidade para diferentes segmentos de nossa parte inferior da
coluna.
Agora vamos nos focar na influencia do
TA na força dos MAP. Tem sido demonstrado que as fibras inferiores do
nosso músculo TA que estão dentro da pelve tem estreita colaboração com
nossos MAP, que se localizam na base da nossa bacia. Alguns estudos
preliminares ainda mostraram que pode haver uma ligação direta de
algumas das fibras dos MAP e TA. Independente de ser provado - uma coisa
que nós sabemos é que esses dois músculos trabalham em conjunto na
contração mais profunda, os estabilizadores em primeiro lugar, como a
raiz da nossa essência. (Você também pode incluir nossos músculos
multífidus nesta contração profunda, mas vamos falar sobre os
estabilizadores segmentares em outro dia)
Você pode sentir essa conexão íntima entre o assoalho pélvico e
o TA ao executar elevação do assoalho pélvico. Ao executar os
exercícios ensinados no "Assoalho pélvico esse desconhecido" , você
começará a sentir como o TA é ativado toda vez que você trabalha para
contrair seus MAP. Deitada de barriga para cima, coloque seus
indicadores sobre o abdomem, uns 2 dedos para dentro do osso ilíaco(
aquele osso que fica visível quando deitamos) e perceba o aumento de
tensão sob seus dedos ao contrair seus MAP. Por outro lado, você também
pode sentir a contração de seus músculos da assoalho pélvico toda vez
que você trabalha para contrair o TA, mantendo a postura neutra, ou seja
mantendo a curva natural da sua lombar. Estudos têm mostrado um aumento
na força contrátil dos nossos músculos TA e MAP quando ativados juntos
em vez da contração individual. Isto pinta um retrato claro de que
precisamos de uma contração simultânea dos dois grupos musculares para
alcançar ganhos de força otimizados e recrutamento eficiente de nosso
assoalho pélvico. Em suma: resolução completa de incontinência ou um
melhor controle dos sintomas do prolapso não pode ser alcançado nem
esperado, se não temos os músculos trabalhando simultâneamente.
Agora que sabemos a importância do nosso músculo transverso
abdominal, como podemos reforçá-lo? A maneira mais fácil de identificar e
começar a fortalecer o TA está em um exercício de quatro apoios.
Inicialmente, para você começar, eu recomendo que você fique na frente
de um espelho, posicionada de modo que você tenha uma visão lateral de
sua barriga. Na posição de "4", de joelhos, deixe-se relaxar permitindo
que sua barriga se "pendure" com a força da gravidade. Nesta posição,
contraia a sua barriga, até uma posição mais apertada, sem permitir
arredondamento da lombar ou aumentar o seu volume. A vista lateral que
você tem no espelho será um grande feedback visual, já que você pode ver
sua barriga subir como se você estivesse estreitando o seu meio, tendo o
cuidado de manter a posição neutra de sua coluna.
Faça a elevação de
sua barriga, segurando uma contagem de 5 segundos que pode chegar a 10,
por 6 a 15 vezes a cada dia é um grande começo para encontrar e
"acordar" o seu TA.
Depois de se tornar
consciente de seu TA você pode começar a ativar esse músculo, mantendo-o
apertado quando você se senta em seu computador, quando você está na
fila do supermercado, do banco, enquanto você dirige seu carro, etc.
Algumas dicas úteis para você se assegurar da contração
correta:
- · Você
deve ser capaz de continuar com um padrão respiratório regular,
mantendo sua barriga na posição de contração;
(Obs: sobre esse erro de execução comumente visto em prática de exercícios de Core Training, farei esclarecimentos em futuros posts)
- · Você pode sentir um aperto na parte
baixa das costas. Isto é devido à fixação do TA à fáscia de sua região
lombar e à co-contração dos músculos multífidus da parte inferior das
costas, que também trabalham para manter a coluna neutra, com a lordose
fisiológica (normal). Jamais pode sentir desconforto.
Se houver dificuldade ou algum
desconforto, não insista. Procure um Fisioterapeuta com conhecimento na
área para orientá-la.
Para fechar este
post, quero salientar a complexidade da reabilitação do assoalho pélvico. Não é caso para simplesmente "Faça o seu Kegels". A verdade da
questão é que o reforço do nosso assoalho pélvico requer o conhecimento
de encontrar a postura correta de coluna neutra (lordose fisiológica) e
mantê-la na posição sentada e em pé.
A boa notícia é
que o treinamento correto dessa musculatura não só reabilita o assoalho
pélvico como previne e trata a região lombar; mas isso é para postagens
futuras!
Lembre-se: esses exercícios desenvolvem
consciência corporal, requerem mais coordenação e qualidade de contração
do que força.
6 comentários:
Ola Patricia,
Adorei essa postagem sobre o músculo TA. É uma pena que muitos profissionais, não dão a importancia devida a esses músculos. Qto aos exercícios de Kegel, costumo passa-los como dever de casa, ajudando o paciente na conscientização desses musculos.
Um beijo querido,
Milena.
Concordo com você Milena. É mesmo uma pena, pois aí nesse músculo está a chave da estabilização lombo-pélvica.
Que excelente inciativa passar os exercícios de Kegel como dever de casa; o assoalho pélvico ainda é bastante ignorado também.
Com essas postagens espero ajudar nessa conscientização, tanto por parte dos fisioterapeutas como por parte dos pacientes ou pessoas que possam estar precisando de ajuda.
Bjs
Olá! Gostei muito do seu blog! Parabéns, vc é uma profissional dedicada e que ama o que faz.
Tenho 32 anos e uma hérnia de disco entre L5-S1 e meu fisioterapeuta também me ensinou a contrair o transverso!
Obrigada!
abraços.
Fernanda. (Osasco/SP)
Oi Fernanda!
Muito obrigada. Fico muito feliz por saber que posso, de alguma forma, divulgar, expandir, compartilhar conhecimento.
Mais feliz ainda de saber que um colega meu exerceu seu trabalho com eficiência; dessa forma ainda que aos poucos a Fisioterapia alcançará seu merecido status na àrea da saúde.
Mande um grande abraço para o meu colega que te tratou e eu te mando um beijo com carinho!
Fique bem!
Parabéns pelo artigo!
Há 5 meses que tenho uma pubalgia, e consultei recentemente um fisioterapeuta que me explicou exactamente o que fala no artigo. A importância de trabalhar o TA, e indicou que o meu processo de melhoria irá passar por isso! Outro factor foi o facto de saber gerir a dor, e tentar eliminar os pensamentos associados à dor nesta zona, para que o cerebro possa desbloquear todos os receios que criei nos últimos meses. Vamos ver se será desta que consigo melhorar! Excelente trabalho com o blog, não pare!!
Olá Rui,
Muito obrigada.
Espero que você tenha sucesso no seu tratamento. Sem dúvida a estabilização do complexo lombo-pelve-quadril é fundamental no tratamento da pubalgia e isso se dá com a coordenação entre os músculos dessa área, em um sentido mais amplo. Não como um exercício de fortalecimento em si, mas sim em termos de reabilitação neuromotora.
Tudo de bom!
Espero ter boas notícias em breve!
Um abraço
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